A NEUROSE
OBSESSIVO- COMPULSIVA
Esse artigo tem como proposta abordar, em linhas gerais, a
neurose obsessivo- compulsiva dentro de um olhar psicanalítico, denominada, na
atualidade no DSM IV de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) CID-10.
Minha escolha se deve tanto em relação à curiosidade do tema
por conhecer pessoas próximas que tem essa neurose, (sou terapeuta de casal e
familiar e psicanalista em formação) como ainda por observar em momentos da minha vida ter me comportado
como portadora de alguns traços obsessivos compulsivos, herdados do lado
materno, tais como: exagerada cobrança em relação ao perfeccionismo das tarefas
e o olhar voltado a uma exigência demasiada em limpeza e organização.
Por outro lado a vivência desses mesmos traços me levou a um
processo terapêutico rico e repleto de chances do descobrimento do viver através
de formas mais inteiras e leves. A terapia, essa grande aliada facilitou a
minha jornada na busca da compreensão e ressignificação desses comportamentos
obsessivos compulsivos.
Interessante perceber que no meu percurso eu tinha a clareza
da falta de nexo das ideias intrusivas. No entanto, a ação em fazer o ritual
comandado pela mente ganhava o jogo no alívio da ansiedade.
Há alguns anos venho exercitando mais leveza, como também me
permitindo concluir as tarefas dando um limite que corresponde à realização de
uma ação cuidadosa do bem fazer, todavia, não mais me tornando refém do
perfeccionismo. Hoje, através de processo analítico, me lanço na busca não só
do enfrentamento dos sintomas vivenciados, mas também daquilo que sustentava o
comportamento disfuncional.
A NEUROSE OBSESSIVO- COMPULSIVA
A Neurose Obsessivo- Compulsiva traz ao seu portador um alto
grau de sofrimento pessoal e social, uma vez que a pessoa percebe que as suas
ideias obsessivas, como suas compulsões, além de serem exagerados, são também irracionais.
Todavia, essa constatação não impede a atitude repetitiva- defensiva.
Diz Zimerman:
“Como acontece em outras estruturações de personalidade,
também a de natureza obsessivo-compulsiva diz respeito à forma e o grau de como
se organizam os mecanismos defensivos do ego diante de fortes ansiedades
subjacentes”.( Psicanálise em Perguntas e Respostas,,pag.177,2005)
Na sua obra, “O Homem dos Ratos” (1909) Freud fala, mediante
o aprofundamento dos relatos do seu cliente, que é o erotismo anal que
prevalece na organização sexual do neurótico obsessivo compulsivo. Defende que
a obsessão está sempre relacionada a uma regressão sexual da fase anal.
Freud segue no estudo da neurose obsessiva, e, através da
Segunda Tópica nos faz entender acerca das pulsões de vida e de morte e o
relevante papel do superego, sendo identificado como principal censor do ego, o
qual desenvolve e amplia uma experiência pautada no medo de ser punido pelo
superego. Essa vivência traz como consequência sintomas de ansiedade presentes
na neurose obsessivo- compulsiva.
O constante conflito entre o ego e o superego é explicado da
seguinte forma: Ao trabalhar o recalque o ego busca em obediência ao superego,
banir as pulsões sexuais provenientes do id. Desta forma, lança mão de reações
tais como nojo, asseio, vergonha. Então
o superego como excelente censor comanda as ações do ego, restando a esse
conseguir satisfação por meio de sintomas.
Freud afirma que “o medo que o ego tem do superego, na
verdade é o medo da morte, que numa análise mais profunda, desemboca no medo da
castração”.
O DSM-IV refere-se aos transtornos obsessivos compulsivos
como transtornos de ansiedade, vez que é a ansiedade o sintoma primário ou a
causa primária de outros sintomas.
Zimerman (Fundamentos Psicanalíticos, 1999) pontua sobre a
necessidade de um olhar cuidadoso da obsessividade, no que se refere a
diferenciação do grau em que “ela” se apresenta nas pessoas:
1-
Traços
obsessivos em uma pessoa normal, ou traços acompanhantes de uma neurose mista,
uma psicose, uma perversão;
2-
Caráter
marcadamente obsessivo;
3-
Neurose
obsessivo compulsiva.
A pessoa que tem um caráter, marcadamente, obsessivo
apresenta em seu comportamento traços fortes de controle, dúvida, intolerância,
disciplina, moralidade... Todavia, essas posturas não trazem grandes prejuízos
e sofrimentos. Experiências clínicas e a literatura científica observam que os
indivíduos com caráter obsessivo, desde que não seja exagerado são aquelas
pessoas que trazem aspectos funcionais de ordem, disciplina, respeito...
Em relação ao neurótico obsessivo compulsivo o grau de
sofrimento é ampliado, também em função da pessoa ter consciência das suas ideias
e atos “absurdos”. O neurótico obsessivo fica refém das suas repetições
ideativas, sofrendo pela intensidade dos pensamentos ego- distônicos,
atormentado pela ampliação da ansiedade, que para ser aliviada necessita da
vivência de comportamentos que obedecem a rituais denominados de compulsões.
Esses atos em casos mais sérios comprometem a vida pessoal,
familiar, social, profissional, trazendo um acentuado nível de incapacitação
diante da vida.
É importante observar que “o termo obsessão refere-se aos
pensamentos, que como corpos estranhos infiltram-se na mente e atormentam os
indivíduos, enquanto que por sua vez, o termo compulsão designa os atos motores
que o neurótico executa como uma forma de contra-arretar a pressão dos
referidos pensamentos” (Zimerman,1999)
Essa vivência neurotizada propicia ao neurótico, uma
constante ambivalência relacional, por ele ficar preso dentro de um círculo
insano de pensamentos esquisitos, que poderão trazer a paralisação das suas
ações cotidianas.Contudo, são muitos os obsessivos que conseguem ter uma vida normal
na frente dos outro, em função da sua capacidade cognitiva não ser prejudicada.
É interessante observar que as compulsões são ampliadas
quando as pessoas estão em casa”, pois ao mesmo tempo em que a sua casa é um
símbolo de proteção uterina é também palco de suas maiores angústias e
fraquezas neuróticas”.
Zimerman, no seu livro Fundamentos Psicanalíticos aborda
sobre os fatores etiológicos mais marcantes na Neurose Obsessivo -Compulsiva.
Na presente resenha trago de forma resumida, as principais
causas:
Pais com superego rígido e punitivo.
Exagerada carga de agressão mal administrada pelo ego, falha
na capacidade de síntese do ego e discriminação que perturbam o obsessivo.
Conflito intra-sistêmico- ego sob o controle do superego primitivo,
e, ao mesmo tempo pressionado pelas pulsões do id. Também dentro do próprio id
as pulsões de morte e de vida podem estar em forte conflito ( amor, ódio).
Importância da defecação da criança e suas fantasias
presentes no ato de defecar, significado das crianças às fezes, relações
parentais com a criança acerca da representatividade do ato de defecar, ou essa
ação como um movimento da criança de conquista, controle e punição.
Fixação do pensamento infantil sobre o ato de defecar,
segundo Freud quando a criança equipara as fezes ao pênis, bebês e presente
Descrevo, agora, de maneira geral as principais características clínicas do obsessivo compulsivo:
Sintomas de ordem, limpeza, regras, excesso de escrúpulos,
podendo essa obsessividade ser expressa dentro de dois perfis distintos: a
forma passiva( relacionada a fase retentiva anal) e a forma ativa( fase anal expulsiva). No
primeiro perfil estaria o neurótico passivo- submetido, ou seja: pessoas que
têm uma necessidade imensa de agradar, medo de perder o amor das pessoas.
Exagero de falas com gentilezas forçadas onde o, por favor, desculpa... são
ampliados e aqueles que desenvolvem
atitudes masoquistas.
Estão no segundo perfil dos obsessivos os do tipo ativo-
sub metedor, resultado de uma identificação com o agressor, muitas vezes
reforçando atitudes de controle excessivo para com os outros que tem o objetivo
de ser o dono absoluto da verdade, sendo todos esses pensamentos permeados por
um sentimento constante de culpa.
Os neuróticos obsessivos se utilizam de mecanismos defensivos
tais como:
Anulação (ação que desfaz o que já foi feito, sentido ou
pensado), isolamento (que consiste em inibir o afeto do pensamento) formações reativas
(comportamentos que procuram negar os sentimentos que trazem ansiedade),
racionalização e intelectualização (muitas vezes utilizadas na análise através
da resistência).
A escolha das suas relações objetais tem como foco um olhar disjuntivo, separado por dois polos
distintos ou seja pessoas que se caracterizam a complementação dos tipos :sádico-masoquista,dominador-
dominado...
Olham a sexualidade através da analidade, com excesso de
cuidado com a higiene, desenvolvendo um sentimento de propriedade ou proprietário
do parceiro. Tem também na sua relação sexual uma exagerada moralidade para a
vivência da sexualidade anal e oral que a vida adulta aos casais pode
propiciar.
Quando há uma obsessividade narcísica a pessoa demonstra,
mesmo que sob a máscara da modéstia, uma superioridade, ou seja, ela é a pessoa
mais honesta, mais certa, mais disciplinada...
Instalada a obsessão narcísica o neurótico desenvolve um medo
crescente de um fracasso no orgasmo ou na potência o que o leva ao
desenvolvimento de um ciclo vicioso de medo e evitação da intimidade sexual, o
que pode resultar em comportamentos de isolamento e fobia.
Alguns dos sintomas mais comuns da neurose obsessivo-
compulsiva se apresentam nas seguintes posturas: excesso de lavagem das mãos, mania
de limpeza, rituais de higiene, preocupar-se acentuadamente com germes e
contaminações, verificar repetitivamente o fechamento de portas, janelas, dar
valor excessivo a números e contagens, pensamentos catastróficos, simetria
neurótica, pensamentos voltados à punição e morte.
É interessante ressaltar uma característica forte no obsessivo:
sua habilidade ao pensar. Ele cogita, pensa e desenvolve uma extensa ruminação
mental, repleta de dúvidas, rituais e uma vivência sofrida de uma consciência
de culpa constante.
Em relação ao trabalho analítico, é essencial que o psicanalista
aprofunde o seu olhar e atenção, para que o obsessivo compulsivo não engendre
mecanismos próprios que consiga prevalecer o seu controle, mediante a
utilização dos seus múltiplos comportamentos defensivo.
“ O maior cuidado que o analista deve ter consiste na
possibilidade de ele se deixar equivocar pela colaboração irretocável desse
paciente que costuma ser obsessivamente correto, assíduo, bom pagador... porém
existe a possibilidade de que esse analisando esteja cumprindo a tarefa de ser
bom paciente, do que alguém disposto a fazer mudanças verdadeiras”. (Zimeman).
Entendemos que a
obsessividade é o resultado da atuação dos mecanismos de defesa contra a
ansiedade, e que mediante um trabalho compartilhado, passo a passo, entre
analista e analisando, poderão ser construídos caminhos que trabalharão na busca da transformação dessas
forças inimigas em forças aliadas.
Lígia Oliveira- terapeuta de família e casal e psicanalista
Lígia Oliveira- terapeuta de família e casal e psicanalista
Bibliografia:
Zirmeman,David,E.Psicanálise em perguntas e respostas: verdades,mitos
e tabus/David E. Zimerman- Porto
Alegre:Artmed,2005
Fundamentos Psicananlíticos: teoria, técnica e clínica- uma
abordagem didática- Porto Alegre: Artmed, 1999.
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